Dias atrás me perguntaram, para uma matéria de revista, qual é o melhor aspecto da infância. Não entendo por que perguntam isso logo pra mim, já que nunca escondi que o melhor da infância, na minha opinião, é que ela termina logo! Please, não me recriminem, cada um com suas estranhezas... Eu tive uma infância muito tranqüila, sem nenhum trauma. Morei numa rua arborizada onde andava de bicicleta, brincava na rua, tinha amigos - e meus verões eram sensacionais, passava na praia, fazendo piquenique, brincando de policia-e-ladrão até tarde da noite, na maior segurança. Pai e mãe presentes, um irmão parceiro, colégio legal. Reclamar do quê?
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Ainda assim, contava os minutos para crescer. Não via a menor graça em ser dependente de tudo e todos. Ter que obedecer. Seguir regras que não eram as minhas. Fui bem comportada, um anjo de menina, mas, por dentro, era uma subversiva em potencial. Eu tinha certeza de que o mundo adulto era infinitamente mais divertido e estimulante do que o infantil.
E não me enganei.
Conheço muita gente que morre de saudades da infância. Fico espantada. É como se dissessem que morrem de saudades de tirar um siso. Eu cumpri todo o protocolo infantil e virei a página: não voltaria nem meia-hora para a infância. Bicicleta, ando até hoje. Amigos, tenho cada vez mais. De imaginação e fantasia, sigo bem abastecida. Saudade de quê, então? De ir dormir na hora que me mandavam, mesmo estando sem sono? De ter que estudar matérias que eu já previa que não me serviriam pra nada? De ter que sair da sala bem na hora em que o papo estava ficando bom? De acreditar em Papai Noel?
Acreditar em Papai Noel até que era excitante. Às vezes faz falta a gente dar crédito ao absurdo.
De qualquer forma, eu não troco minha vida de adulta pela de criança, mesmo tendo que trabalhar e pagar contas, mesmo tendo consciência das misérias do mundo, mesmo enfrentando trânsito e um sem-número de responsabilidades, mesmo me sentindo perdida e desprotegida tantas vezes. É o preço. Em troca, sou dona do meu nariz, das minhas escolhas, dos meus erros e dos meus acertos. A independência é o melhor brinquedo que já ganhei na vida. Ganhei, não: conquistei!
Mas como esse domingo é o dia da criança, fica aqui o desejo de que a gente siga cultivando um pouco da pureza, inocência e confiança que a gente tinha aos 8 anos, coisas que acabam se perdendo com a brutalidade do cotidiano. Se eu não sinto saudade da infância, é porque essa inocência de certa forma ainda preservo, porque sem ela ficamos muito ásperos em relação a tudo. Então, sigamos inocentes, mas sem deixar de curtir a magnitude de ser gente grande.
(Martha Medeiros)